Cerdeiral
Cerdeiral é um nome, em Adrão.
Cerdeiral era um nome especial para mim. Chegava, olhava ou espreitava e via o seu belo pinheiro no meio do prado de feno. Aquela imagem verde, de copa redonda, estava ali plantada há muitos anos e, há cerca de 64 anos, entre os 64 e os 60, ele lá estava, o nosso fornecedor de pinhões. Os mais velhos começaram a levar-me a mim e eu fui levando outros. Entre 1952 e 1956, caminhei pelo Sr. da Paz, na nossa escolinha e, não sei como aprendi, como outros, o caminho para o Cerdeiral mas, de vez em quando, íamos aos pinhões.
Nas minhas visitas a Adrão, eu ia olhando o pinheiro do Cerdeiral e recordando, no meu olhar, as suas pinhas penduradas nos seus ramos, como pérolas muito especiais. Era um monumento, para mim, aquele pinheiro.
Este era o pinheiro do Cerdeiral
Há dias, em mais uma das minhas caminhadas pelas saudades das minhas Montanhas Lindas, paramos no Senhor da Paz. Apeteceu-me subir o cruzeiro do Senhor da Paz e observar Bordença e os seus montes, a Assureira e todos os montes em redor de Adrão. Quanto mais olhava mais forte o meu coração batia.
O meu amigo António Amorim quis ir comigo e, aposto que o seu coração queria acompanhar o meu. É nestes momentos que damos valor a um berço e sabemos para que ele continua a servir. Lá em cima, no cruzeiro, podemos observar quase tudo em volta e à medida que a nossa cabeça roda e se inclina para olhar lá em baixo os fundos da Assureira, ali ao lado Bordença, pertinho o nosso cemitério e lá em cima o Alto da Derrilheira, neste balancear, sentimos-nos mesmo dentro de um berço. Por isso, considero que onde nascemos, teremos sempre o nosso berço.
Quando saímos do nosso primeiro berço tentamos levantar-nos, vamos tacteando, agarramos-nos às saias das nossas mães, tentamos afastar-nos mas, voltamos às saias. É o que nos acontece pela vida fora. O nosso berço está ali! Eu falo por mim. Depois de olharmos o nosso berço, eu e o António fizemos subir os nossos olhos sobre a nossa velha escola e o Senhor da Paz, montanha acima até à Derrilheira mas demos por uma falta no nosso berço. Olhamos aquele prado de feno no Cerdeiral e faltava o seu monumento, o seu belo pinheiro. A mancha verde não estava lá! Havia apenas um prado rapado e um amontoado de troncos secos. Ali jazia, para sempre, o grande pinheiro do Cerdeiral.
O pinheiro do Cerdeiral não era apenas um pinheiro. Ele acenava-me e contava-me histórias
A Rosa "Caneira", ainda minha prima, é assim que Adrão a conhece, disse-me: "tive de o cortar Luis, o último fogo deu cabo dele. Secou e podia cair por cima de mim ou das vacas. Tive de corta-lo. O nosso pinheiro morreu"!
Aquele pinheiro, para mim era parte da beleza do nosso berço. Quando os meus olhos passavam pelo Cerdeiral, rumo ao Alto do Lombo, tropeçavam numa gravura de um pinheiro emoldurada com uma parede de rochas. Agora ficou só a moldura.
Tudo morre. Os meus olhos, se voltarem a fazer mais alguma caminhada pelas montanhas de Adrão, continuarão a subir rumo à Derrilheira, olharão a moldura e, haverá uma última vez mas, estará sempre para eles essas imagens do passado e o grito de um pinheiro - «olá, Ventor»!