Adrão - O São João
S. João para ver as moças,
Fez uma fonte de prata,
As moças não vão à fonte,
S. João todo se mata.
Ai repenica, repenica, repenica,
O S. João está a suar em bica.
Ai repapoila, repapoila, repapoila,
O feijão branco e arroz na caçoila.
São João Baptista visto e pintado por Leonardo da Vinci
Hoje apetece-me falar-vos (escrevendo) do S. João. São João faz parte ds minhas raízes. Quando eu era miúdo rapazote, vivíamos um dilema no dia de S. João. Ser feriado ou não ser feriado, era a questão! Para isso, na minha aldeia, Adrão, não havia que dar satisfações a ninguém. Quem mandava era o S. João! O trabalho era o estritamente necessário: tratar das vacas, das cabras, das ovelhas, das galinhas, dos porcos e regar o milho quem tinha que o fazer, por lhe calhar a rega. De resto, era um dia de paródia!
Nós tínhamos uma tradição! Mulhar as moças. Mulhar as moças, era um regalo.
"Oh, tia Teresa, eu não posso passar debaixo da sua janela, o seu Ventor está lá com um alguidar de água".
Mas para tudo há regras e, quem não cumprisse com as regras, teria de se haver com a justiça da caserna. Realmente, não tinha piada nenhuma as raparigas levarem com um caneco de água em cima, logo pela manhã. Mas em todos os cantinhos do mundo há guerras e nós também tínhamos a nossa. Era a guerra da água. Pela tarde dentro, era mais certo e havia mais justificação, começar as aguadas. A rapaziada nova ia toda acabar no rio da Ponte, até ficarem como pintos.
Mas o mais engraçado para mim, é que, na terra da chuva, não tenho ideia nenhuma de haver um dia de S. João com chuva. Nevoado sim, mas com chuva, não!
A aguada era uma das nossas brincadeiras, mas havia mais: levar os carros de bois ao rio. Desde que não os estragássemos não haveria problemas. Até fazia bem aos carros uma lavagem depois de tanta trabalheria que tinham tido no mês de Maio.
Um dia, de vésperas de S. João, o ti Joaquim Brasileiro, disse-nos que ninguém ia levar o carro dele para o rio porque o iria guardar toda a noite. E foi! Fez uma cama de feno seco, junto ao carro e por ali ficou a dormitar. Cerca da meia-noite da noite de S. João, lá fomos nós "a canalha", buscar o carro. Ia começar o duelo. Nós, por teimosia e para demonstrar a nossa capacidade de luta, entendemos que o carro do ti Brasileiro teria de ir ao rio e ele, tinha entendido que não nos ia deixar.
Aproximamos-nos do carro e mal o começamos a agarrar para o puxar, ele, com a sua grande vara de carvalho, deu uma varada ao longo do carro e nós, como um autómato, só paramos no rio. Fizemos o trajecto desde o caminho para o Lume da Leira, até à ponte a galgar tudo. Mas não desarmamos! Ficamos na incerteza de ele ter continuado por lá ou ter ido para casa, mas veio a psicologia de guerra! Já nessa altura a sabíamos aplicar. A teoria era que ele ficaria à vontade para dormir convencido que nós ficaríamos com medo de lá voltar.
Pelo sim, pelo não, era necessário confirmar se ele ainda por lá estaria ou se teria ido para casa. Para isso teríamos de ir à corte, junto do carro. Por trás do carro e junto à parede lá estava o lugarzinho da cama dele no feno seco. Havia a hipótese de ter ido para casa ou ter subido para o palheiro, mas foi no palheiro que ele se deitou mais confortável no meio do feno. Ferrou duro no sono e nós pegamos o carro no maior silêncio deste mundo, metêmo-lo no caminho do Carril e fomos direitos à ponte onde o colocamos no meio do poço.
Foi a primeira vitória colectiva que eu tive na minha vida. Foi ali que eu aprendi a conhecer o trabalho de equipa e o espírito de grupo. Obrigado pela luta ti Joaquim. O senhor da Esfera tê-lo-á a seu lado recordando connosco. O nosso objectivo era não estragar o carro e conseguimos.
P.S. Este post já foi escrito há 14 anos mas não consigo tira-lo do campo do no secure. Penso que é por causa dos comentários e não consigo tirar os comentários. Também não consigo mante-lo no local porque o meu amigo Net Sapinho não me deixa alterar a data. Paciência!