As Abelhas
Quando era pequeno, íamos tomar banho ao Rio da Leira. A rapaziada toda, desde os mais velhos aos mais caçapinhos, seguíamos em fila indiana, ao lado das formigas e, comportando-nos como elas. Mas se as formigas não nos faziam mal e até, por vezes, seriam esmagadas debaixo dos nossos pés, já com as abelhas era diferente!
No Rio da Leira, tanto quanto me recorde, apenas o ti Brasileiro, o avô da minha prima Rosa Caneira, do Joaquim e da Fátima, tinha colmeias. As colmeias eram feitas com cortiços, feitos da cortiça dos sobreiros. O ti Brasileiro, tirava a cortiça aos sobreiros, cortando apenas num lado, e depois a cortiça era extraída em forma de cilindro. Um corte em baixo, outro corte em cima, à distância pretendida e entre esses dois cortes, horizontais, um corte na vertical.
Depois ele ficava com o cortiço praticamente feito. Mas no mês de Maio, eu lá via o ti Brasileiro todo armadilhado a apanhar os enxames de abelhas que lhe fugiam ou outros que de mais longe, vinham formar-se nos ramos dos carvalhos com as abelhas encavalitadas umas em cima das outras em forma de cacho. Às vezes, eu próprio o informava onde tinha visto um enxame, e lá ia ele, todo lampreiro apanha-lo! Era uma boa cooperação que me valia uns bons favos de mel, na devida altura e alguns frascos de mel pelo ano fora.
Eram bastantes as colmeias que o ti Brasileiro tinha no Lume da Leira
Mas do que eu nunca mais me esqueço, é do som das abelhas a voar no meio daqueles cortiços todos, ou então das abelhas que iam à procura de matéria-prima para levarem para as colmeias. O caminho que levávamos para o poço negro, durante todo o verão, seguia pelo meio dos campos e quer pelo rio acima, ou nos campos junto às águas das regas que corriam pelo caminho, só se viam abelhas e se ouvia o seu som característico.
Eu sentia inveja quando via o ti Brasileiro especado no meio das colmeias a tentar apanhar os lagartos que ali se instalavam a tentar apanhar as abelhas e não eram poucas! Eles esmeravam-se todos a apanhar as abelhas e o ti Brasileiro esmerava-se todo a apanha-los a eles.
Por vezes, não muitas, porque as abelhas não são parvas, lá aparecia algum do nosso maralhal, ferroado pelo cu, da abelha e a dizer mal da vida e insulta-las com os palavrões mais ousados dignos de ganhar o prémio da malvadez! Outra especialista a apanhar abelhas, era a raposa. Ela descia por entre os carvalhos e de repente estava infiltrada no meio dos cortiços a fazer os seus estragos.
O ti Brasileiro, tal como o meu amigo Chica, sabiam dizer-me para não me mexer junto das abelhas e diziam-me, sem o sabermos, na altura, que esse seria o melhor método para a formação de um grande homem estátua! Mas eu não tinha jeito para isso e mexia-me bem! Eu penso mesmo que as abelhas não tinham vontade nenhuma de me perseguir, pois se tivessem, estariam fartas de me ferrar e apenas uma vez uma me ferrou, estando eu bem quietinho, de rabo para o ar a segurar uma boa truta debaixo de uma rocha, no rio. Até parece que ela me quis dizer para deixar a truta, pois foi o que aconteceu. A malvada foi ferrar-me numa nádega e numa altura que não o devia ter feito, pois eu estava bem quietinho! Haviam mais abelhas em Adrão, mas ninguém tinha tantas e tanto mel, como o ti Brasileiro. Quem me dera que fosse possível a vida fazer-me repetir os belos tempos que nunca esquecerei.