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Adrão e o Ventor

Eu nasci na serra de Soajo e Adrão, nas suas encostas, é o meu berço

Adrão e o Ventor

Eu nasci na serra de Soajo e Adrão, nas suas encostas, é o meu berço

Nasci em Adrão e, desde muito novo, iniciei as minhas caminhadas pela minha serra - a serra de Soajo. Em 2009 ouvi falar de uma cruz que tinha sido colocada no Alto da Derrilheira. Numa caminhada realizada com os meus companheiros e amigos da serra de Soajo, Luiz Perricho, António Branco e José Manuel Gameiro, fomos recebidos no nosso mais belo Miradouro como mostra esta foto.


Algumas das vacas da serra, receberam-nos e, na sua mente, terão dito: «contempla Ventor, mais uma vez, toda esta beleza que nunca esqueces. Este é o teu mundo e é nele que o Senhor da Esfera te aguarda». Tem sido sempre assim, antes e depois da Cruz.


Se quiserem conhecer Adrão, Soajo e a nossa serra, podem caminhar pelos meus posts e blogs. Para já, só vos digo que fica no Alto Minho.



Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!


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rio adrão.jpeg

Aqui nasce o rio Adrão


Das melhores coisas da minha vida, foi caminhar no rio de Adrão. Até aos 15 anos e depois, à medida que por lá ia passando. Nesses tempos eu caminhava no meu rio como caminho hoje por muitos trilhos limpos.

 

O rio Adrão nasce aqui e vai perder-se enleado em matagais sem fim


20.10.20

Paradela


Ventor

Vamos caminhar por Paradela de Soajo.

Paradela é a outra terra do Ventor. É desta terra que vos falo hoje, e vos conto um pouco da minha vida de criança. Aqui tive uma semana de escola!

Esta foi a segunda aldeia onde passei uma boa parte dos meus tempos de criança. Foi em Paradela que tive a minha primeira escola, embora não mais que cerca de uma semana. Fiz a minha primeira grande birra, travei a minha primeira grande batalha e usufruí da minha primeira grande vitória! Isto deu-se no ano de 1952, exactamente na abertura das aulas, pelo S. Miguel (mês de Outubro). A minha primeira professora, era de Bragança e foi-o por sete dias. Para me sossegar, deu-me uma boneca a ver se eu acalmava. Dei-lhe um grito para lhe dizer que as bonecas eram para as meninas e atirei com ela contra a parede. Ao fim de alguns dias, depois de tudo tentar, a professora que seria pouco mais que uma menina, chamou minha mãe e aconselhou-a a levar-me para Adrão, a aldeia onde nasci e a terra onde passava mais tempo e, por isso, onde estava a minha gente. Assim foi! Cheguei a Adrão, e integrei-me com toda a amabilidade deste mundo na sua escolinha do Senhor da Paz, nome do Santo que a gente de Adrão homenageia nesse local, pelo mês de Maio. Pelo menos era assim.

paradela.jpg

Este lugar aqui, é Paradela. Era a terra do meu pai por onde eu caminhei até aos 15 anos e demais visitas posteriores

A rapaziada dessa escola era quase toda mais velha que eu e havia bastante juventude para o tamanho da aldeia, além disso, não havia o sentido da escola, pois as gentes da aldeia precisavam dos miúdos para pastorear o gado e para andar à frente das juntas durante o acarretar do esterco e o lavrar das terras nos tempos das sementeiras, que eram tempos de aula. Eram eles parte activa nas lides das lavouras, na guarda dos gados e enfim, também não tinham o apoio necessário uma vez que, em casa, normalmente, ninguém sabia ler ou escrever. Em poucas casas haveria alguém que lesse. Eu tive o privilégio de ter um pai que sabia ler e escrever. Mas muito pouca gente estava nesse rol.

A partir daí, pelo menos durante o tempo de escola, deixei de ir a Paradela. Passei a fazer as minhas visitas mais espaçadas e só nas férias grandes, do Natal e da Páscoa, comecei a visitar aquela terra com maior permanência. Como aos sábados e domingos também tinha de se andar atrás dos gados, eu ia até aos Poços com as vacas desde a Assureira, rapar as ervas das lavouras de Paradela e por vezes, tinham de ficar por lá mais tempo a fim de transformarem em estercos (adubos) os estrumes levados para as cortes.

janela de tempos saudosos.jpg

Desta janela, do lado de cá, do lado de Paradela, eu olhava Lindoso do lado de lá e os carros, que passavam na estrada, o mais peculiar era a carrinha do peixe que, ao chegar aos locais buzinava que se fartava

Por isso, todos os tempos eram selectivamente aproveitados. Era absolutamente necessário viver, durante o ano, em Adrão e em Paradela e, portanto, praticar um certo nomadismo entre as duas aldeias. Praticávamos uma agricultura de subsistência, com produção de milho, batata, feijão, algum centeio, umas frutas e vinho e, no nosso caso, este seria repartido por Paradela e pela Assureira, talvez 50% por 50%. Era difícil a vida na época!

Para Paradela também tenho reservado o meu quinhão de saudade! O lavrar das terras e fundamentalmente dos Poços, com meu pai, o ti "Vilanova" e o ti Domingues e mais família. Carrego em mim as saudades da minha nespereira dos Poços, que nunca esqueço. Também arrasto sempre comigo, as saudades dos bons figos das leiras do Baltazar, em Paradela.

baltasar.jpg

Algures por aqui, nesta foto, haviam figueiras que davam figos maravilhosos. Há 58 anos que não voltei a comer figos daquelas leiras, nem de lado nenhum de Paradela

Mas nunca esqueço quão difícil era fazer a junção dos trabalhos nas duas aldeias. Era preciso levar o pão e outros coisas de Adrão para Paradela ou de Paradela para Adrão. Uma vez, quando eu ainda era muito pequeno, tocou-me trazer uma grande broa de milho, monte acima, a caminho de Adrão. A minha irmã, mais velhinha, vinha carregada, mas tinha torcido um pé e eu tinha mesmo que trazer a broa, pois ela não podia devido a já estar muito carregada. Eu não podia com a broa e não era nada fácil acarreta-la monte acima. Ela diz-me que se não chegamos com dia a casa, o lobo pode apanhar-nos, de noite, na Chãe da Porca. Eu comecei a fazer contas de cabeça e de repente pensei, se transportando a broa chegaria de noite à Chãe da Porca, onde o lobo nos podia apanhar, valia mais chegar com dia a casa e sem a broa. Mandei a broa montanha abaixo direita à aldeia da Várzea onde eu pensava que chegaria intacta e alguém a apanharia. Foi o melhor que pude arranjar. A minha irmã coxa, apanhou os bocados e meteu-os num saco e teve de ser ela a transportar tudo. Eu não queria nada com o lobo nem que ficasse sempre sem pão.

capela1.jpg

Esta é a capelinha de Paradela. Não fui grande assíduo dela mas porque não se proporcionou. Talvez volte a falar dela

Deixemos Paradela e venham comigo, ver como são estes bichos horrorosos que sempre me meteram medo. Vejam como são os Bichos da Peçonha. Venham comigo e com o Quico ou não gostam da Índia? Se não gostam vão até ao Ventor em África e prossigam por outros trilhos.


As Montanhas Lindas do Ventor, são as montanhas da serra de Soajo, da serra Amarela, do Gerês, ... são as montanhas dos meus sonhos e são, também, as montanhas de toda a minha gente

04.10.20

Adrão - O São João


Ventor

S. João para ver as moças,

Fez uma fonte de prata,

As moças não vão à fonte,

S. João todo se mata.

 

Ai repenica, repenica, repenica,

O S. João está a suar em bica.

Ai repapoila, repapoila, repapoila,

O feijão branco e arroz na caçoila.

joao-batista.jpg

São João Baptista visto e pintado por Leonardo da Vinci

Hoje apetece-me falar-vos (escrevendo) do S. João. São João faz parte ds minhas raízes. Quando eu era miúdo rapazote, vivíamos um dilema no dia de S. João. Ser feriado ou não ser feriado, era a questão! Para isso, na minha aldeia, Adrão, não havia que dar satisfações a ninguém. Quem mandava era o S. João! O trabalho era o estritamente necessário: tratar das vacas, das cabras, das ovelhas, das galinhas, dos porcos e regar o milho quem tinha que o fazer, por lhe calhar a rega. De resto, era um dia de paródia!

Nós tínhamos uma tradição! Mulhar as moças. Mulhar as moças, era um regalo.

"Oh, tia Teresa, eu não posso passar debaixo da sua janela, o seu Ventor está lá com um alguidar de água".

Mas para tudo há regras e, quem não cumprisse com as regras, teria de se haver com a justiça da caserna. Realmente, não tinha piada nenhuma as raparigas levarem com um caneco de água em cima, logo pela manhã. Mas em todos os cantinhos do mundo há guerras e nós também tínhamos a nossa. Era a guerra da água. Pela tarde dentro, era mais certo e havia mais justificação, começar as aguadas. A rapaziada nova ia toda acabar no rio da Ponte, até ficarem como pintos.

Mas o mais engraçado para mim, é que, na terra da chuva, não tenho ideia nenhuma de haver um dia de S. João com chuva. Nevoado sim, mas com chuva, não!

A aguada era uma das nossas brincadeiras, mas havia mais: levar os carros de bois ao rio. Desde que não os estragássemos não haveria problemas. Até fazia bem aos carros uma lavagem depois de tanta trabalheria que tinham tido no mês de Maio.

Um dia, de vésperas de S. João, o ti Joaquim Brasileiro, disse-nos que ninguém ia levar o carro dele para o rio porque o iria guardar toda a noite. E foi! Fez uma cama de feno seco, junto ao carro e por ali ficou a dormitar. Cerca da meia-noite da noite de S. João, lá fomos nós "a canalha", buscar o carro. Ia começar o duelo. Nós, por teimosia e para demonstrar a nossa capacidade de luta, entendemos que o carro do ti Brasileiro teria de ir ao rio e ele, tinha entendido que não nos ia deixar.

Aproximamos-nos do carro e mal o começamos a agarrar para o puxar, ele, com a sua grande vara de carvalho, deu uma varada ao longo do carro e nós, como um autómato, só paramos no rio. Fizemos o trajecto desde o caminho para o Lume da Leira, até à ponte a galgar tudo. Mas não desarmamos! Ficamos na incerteza de ele ter continuado por lá ou ter ido para casa, mas veio a psicologia de guerra! Já nessa altura a sabíamos aplicar. A teoria era que ele ficaria à vontade para dormir convencido que nós ficaríamos com medo de lá voltar.

Pelo sim, pelo não, era necessário confirmar se ele ainda por lá estaria ou se teria ido para casa. Para isso teríamos de ir à corte, junto do carro. Por trás do carro e junto à parede lá estava o lugarzinho da cama dele no feno seco. Havia a hipótese de ter ido para casa ou ter subido para o palheiro, mas foi no palheiro que ele se deitou mais confortável no meio do feno. Ferrou duro no sono e nós pegamos o carro no maior silêncio deste mundo, metêmo-lo no caminho do Carril e fomos direitos à ponte onde o colocamos no meio do poço.

Foi a primeira vitória colectiva que eu tive na minha vida. Foi ali que eu aprendi a conhecer o trabalho de equipa e o espírito de grupo. Obrigado pela luta ti Joaquim. O senhor da Esfera tê-lo-á a seu lado recordando connosco. O nosso objectivo era não estragar o carro e conseguimos.

P.S. Este post já foi escrito há 14 anos mas não consigo tira-lo do campo do no secure. Penso que é por causa dos comentários e não consigo tirar os comentários. Também não consigo mante-lo no local porque o meu amigo Net Sapinho não me deixa alterar a data. Paciência!


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