Paradela
Vamos caminhar por Paradela de Soajo.
Paradela é a outra terra do Ventor. É desta terra que vos falo hoje, e vos conto um pouco da minha vida de criança. Aqui tive uma semana de escola!
Esta foi a segunda aldeia onde passei uma boa parte dos meus tempos de criança. Foi em Paradela que tive a minha primeira escola, embora não mais que cerca de uma semana. Fiz a minha primeira grande birra, travei a minha primeira grande batalha e usufruí da minha primeira grande vitória! Isto deu-se no ano de 1952, exactamente na abertura das aulas, pelo S. Miguel (mês de Outubro). A minha primeira professora, era de Bragança e foi-o por sete dias. Para me sossegar, deu-me uma boneca a ver se eu acalmava. Dei-lhe um grito para lhe dizer que as bonecas eram para as meninas e atirei com ela contra a parede. Ao fim de alguns dias, depois de tudo tentar, a professora que seria pouco mais que uma menina, chamou minha mãe e aconselhou-a a levar-me para Adrão, a aldeia onde nasci e a terra onde passava mais tempo e, por isso, onde estava a minha gente. Assim foi! Cheguei a Adrão, e integrei-me com toda a amabilidade deste mundo na sua escolinha do Senhor da Paz, nome do Santo que a gente de Adrão homenageia nesse local, pelo mês de Maio. Pelo menos era assim.
Este lugar aqui, é Paradela. Era a terra do meu pai por onde eu caminhei até aos 15 anos e demais visitas posteriores
A rapaziada dessa escola era quase toda mais velha que eu e havia bastante juventude para o tamanho da aldeia, além disso, não havia o sentido da escola, pois as gentes da aldeia precisavam dos miúdos para pastorear o gado e para andar à frente das juntas durante o acarretar do esterco e o lavrar das terras nos tempos das sementeiras, que eram tempos de aula. Eram eles parte activa nas lides das lavouras, na guarda dos gados e enfim, também não tinham o apoio necessário uma vez que, em casa, normalmente, ninguém sabia ler ou escrever. Em poucas casas haveria alguém que lesse. Eu tive o privilégio de ter um pai que sabia ler e escrever. Mas muito pouca gente estava nesse rol.
A partir daí, pelo menos durante o tempo de escola, deixei de ir a Paradela. Passei a fazer as minhas visitas mais espaçadas e só nas férias grandes, do Natal e da Páscoa, comecei a visitar aquela terra com maior permanência. Como aos sábados e domingos também tinha de se andar atrás dos gados, eu ia até aos Poços com as vacas desde a Assureira, rapar as ervas das lavouras de Paradela e por vezes, tinham de ficar por lá mais tempo a fim de transformarem em estercos (adubos) os estrumes levados para as cortes.
Desta janela, do lado de cá, do lado de Paradela, eu olhava Lindoso do lado de lá e os carros, que passavam na estrada, o mais peculiar era a carrinha do peixe que, ao chegar aos locais buzinava que se fartava
Por isso, todos os tempos eram selectivamente aproveitados. Era absolutamente necessário viver, durante o ano, em Adrão e em Paradela e, portanto, praticar um certo nomadismo entre as duas aldeias. Praticávamos uma agricultura de subsistência, com produção de milho, batata, feijão, algum centeio, umas frutas e vinho e, no nosso caso, este seria repartido por Paradela e pela Assureira, talvez 50% por 50%. Era difícil a vida na época!
Para Paradela também tenho reservado o meu quinhão de saudade! O lavrar das terras e fundamentalmente dos Poços, com meu pai, o ti "Vilanova" e o ti Domingues e mais família. Carrego em mim as saudades da minha nespereira dos Poços, que nunca esqueço. Também arrasto sempre comigo, as saudades dos bons figos das leiras do Baltazar, em Paradela.
Algures por aqui, nesta foto, haviam figueiras que davam figos maravilhosos. Há 58 anos que não voltei a comer figos daquelas leiras, nem de lado nenhum de Paradela
Mas nunca esqueço quão difícil era fazer a junção dos trabalhos nas duas aldeias. Era preciso levar o pão e outros coisas de Adrão para Paradela ou de Paradela para Adrão. Uma vez, quando eu ainda era muito pequeno, tocou-me trazer uma grande broa de milho, monte acima, a caminho de Adrão. A minha irmã, mais velhinha, vinha carregada, mas tinha torcido um pé e eu tinha mesmo que trazer a broa, pois ela não podia devido a já estar muito carregada. Eu não podia com a broa e não era nada fácil acarreta-la monte acima. Ela diz-me que se não chegamos com dia a casa, o lobo pode apanhar-nos, de noite, na Chãe da Porca. Eu comecei a fazer contas de cabeça e de repente pensei, se transportando a broa chegaria de noite à Chãe da Porca, onde o lobo nos podia apanhar, valia mais chegar com dia a casa e sem a broa. Mandei a broa montanha abaixo direita à aldeia da Várzea onde eu pensava que chegaria intacta e alguém a apanharia. Foi o melhor que pude arranjar. A minha irmã coxa, apanhou os bocados e meteu-os num saco e teve de ser ela a transportar tudo. Eu não queria nada com o lobo nem que ficasse sempre sem pão.
Esta é a capelinha de Paradela. Não fui grande assíduo dela mas porque não se proporcionou. Talvez volte a falar dela
Deixemos Paradela e venham comigo, ver como são estes bichos horrorosos que sempre me meteram medo. Vejam como são os Bichos da Peçonha. Venham comigo e com o Quico ou não gostam da Índia? Se não gostam vão até ao Ventor em África e prossigam por outros trilhos.