Sempre na serra de Soajo
Parece impossível mas é verdade. É verdade eu caminhar sempre, em sonhos ou em pensamentos, pela minha linda serra de Soajo. Sonho sempre com a minha serra e com a sua fauna. Dos animais graúdos, para mim, o mais famoso que fez parte das caminhadas do Ventor, continua a ser o lobo. Vi uns quantos várias vezes nos princípios da minha vida, pela minha serra.
Tenho de voltar a beber água da Corga da Vagem, com ou sem Ricard
Hoje, os lobos continuam a fazer parte dos meus sonhos mas, nesses sonhos entram, também, as corsas e os javalis. Embora, na vida real, até hoje, só vi uma corsa na serra de Soajo. E, quanto a javalis, apenas só vi a carcaça de um já bem entrada pelos abutres. Porém, vêm-se muitos rastos da existência, de uns e outros, por lá.
Tenho que voltar à Pedrada com bota rebentada ou não
Eu gostaria de fazer, pela serra de Soajo, mais umas caminhadas à moda antiga. Só, sem conversas, sem assobios, caminhando no silêncio e, de preferência, contra o vento.Então sim, certamente caminharia entre os meus amigos, como caminho nos meus sonhos. Passei cerca de quatro meses terríveis, sem vontade de comer e de dormir. Apenas deitado e, por vezes, tentando dormitar, na solidão de um quarto onde, a vida já não tinha algum significado de jeito mas, a todo o momento, sonhando ou pensando, eu continuava a caminhar na minha serra.
Mas, se não der para ir à Pedrada pode ser que dê para ir à Assureira que ainda era assim nos anos 80
Uma noite, uma enfermeira entrou no quarto e ficou de pé a olhar-me. Entrou silenciosa mas basta o bafo para eu detectar a sua presença. Estava a começar a sonhar com um lobo escondido nas urzes e o barulho do lobo a esconder-se melhor era o movimento da enfermeira a tentar não me acordar se eu estivesse adormecido. Abri os olhos e aquele corpo, de pé, a observar-me, fez-me lembrar a estátua de uma deusa grega. Disse-lhe que "estava a pensar na estátua de uma deusa grega mas, como tem óculos, vi logo que não seria porque nunca vi uma estátua de uma deusa grega com óculos".
Tal como a Assureira eu também já estou a caminho mas, temos de nos voltar a olhar
No meu tempo, em 1961, este carvalho ainda era saudável. Estava assim em 2006
A mina, na Assureira, onde eu aprendi a sacudir todos os medos. Entrava na poça, cheia de água para regar, passava para a mina e ia lá dentro encher as canecas de água fresca. Para mim era o terror ir lá dentro. Às vezes uma ou outra cobra acompanhava-me pela mina dentro. Elas tinham, pelo menos, tanto medo como eu. A água escorria pela rocha abaixo, do lado esquerdo, antes de chegar ao fim da mina. Para o fim da mina iam as cobras e eu acho que preferia ir buscar a água às fontes mas a minha mãe dizia-me: "oh, meu filho vai-nos buscar água à mina, estou cheia de sede". E, quando eu atravessava a lage, gritava: "mas tem cuidado com as cobras"! Claro que tinha e comecei a ficar mais animado quando todas me fugiam e fugiam bem mais que eu.
"Tenho que lhe colocar mais um bidão, Sr. Luiz e ia ficar cheia de pena se tivesse que o acordar". Eram bidões e comprimidos atrás uns dos outros e para quem leva tanto tempo a adormecer, para mim tornava-se impossível. E eu, com um sonho que se avizinhava, ia entreter-me com mais um lobo que sumiu de repente. A verdade é que a minha serra esteve sempre comigo. E está! Nem sei se vou esperar por Agosto para dar lá um salto. Quero subi-la nem que seja devagarinho e renovar os pulmões com aquele ar que sopra sobre outros montes, vindo do Atlântico, passando sobre a Pedrada a grande velocidade. Quero receber o bafo do meu amigo Neptuno, transportado por Eolo e ouvir este dizer: "temos aqui o Ventor, outra vez"!
Será? Vou fazer tudo para que seja.