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Adrão e o Ventor

nas suas caminhadas por Adrão e pela serra de Soajo. Eu nasci na serra de Soajo e Adrão, nas suas encostas, é o meu berço

Adrão e o Ventor

nas suas caminhadas por Adrão e pela serra de Soajo. Eu nasci na serra de Soajo e Adrão, nas suas encostas, é o meu berço

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Vejam estes golosos a comer rojões assados na serra mais linda do mundo - a serra de Soajo


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Assar rojões na serra de Soajo, nos braseiros dos torgos das urzes, é uma tradição de séculos. Os que eles estão a comer em cima, são estes. Eu estou de serviço às fotos.

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Caminhar na Assureira, 2018

Caminhar na Assureira, em Agosto de 2018, não serviu só para matar saudades, para voltar a observar as suas lages e para olhar as paisagens cobertas de matos, silvas, tojos arnais ou pica-ratos (eu não sou rato e picam-me bem), giestas, etç. Caminhar na Assureira também deu para fazer outras observações.

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Aqui estava o bufo, mais provável no carvalho, bem alto, do que nas paredes da corte

Eu tive na minha recepção um pardal, uma toutinegra, uma lagartixa e um morcego pendurado no fio de uma lâmpada eléctrica, na casa do ti Emílio que Deus tem. Não vi o Bufo mas sei que estava lá, bem perto de nós ou na sombra do carvalho ou num buraco das ruinas de uma casa de granito cheio de musgo e junto ao carvalho.

Só eu é que o ouvi. Devia estar chateado por ficarmos ali a observar a influência que meio século teve na caminhada da nossa gente. Foram três pios do Bufo, se calhar a avisar a companheira ou companheiro que não passávamos de uns chatos. Há muitos anos atrás eu ouvia o Bufo na Assureira mas sempre ao chegar da noite, quando já saíamos a caminho do eido, ao lusco-fusco ou já de noite.

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Foto tirada do Pixabay

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Foto tirada do Pixabay. É grande este bicharoco. De noite ele vence e mata a águia que não vê. De dia é a águia que o mata a ele. Assim existe equilíbrio entre os dois rapaces

Não ouvi o arrulhar das rolas ou dos pombos bravos, nem o grasnar dos gaios que na Assureira nunca me tinham faltado até 2006 a última vez que lá tinha ido. Em 2006 um gaio ficou sarapantado quando ia beber água à poça da mina e deparou comigo. Vimos os detritos da corça que tal como os javalis andarão fugidos pelo mato ao sentirem e cheirarem as pessoas por perto.

Dei por falta desses meus amigos de penas a que chamo penudos e não foi só na Assureira. Dei por falta dos chascos e dos cartaxos esvoaçando à nossa fente, quando subimos à Pedrada. Mas, também, em Arcos de Valdevez, apesar de ter fotografado o meu amigo melro de água, achei existirem poucas pegas negras, pardais, cartaxos e outros pássaros que todos os Agostos tenho visto com alguma abundância.

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Cartaxo-comum, nossos amigos a caminho da Pedrada

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Chasco, nossos amigos a caminho da Pedrada

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Chasco pequeno

Quando observava a ponte e o rio de Adrão em Arriba dos Moinhos, ainda sonhei que passasse por ali o guarda-rios, meu velho companheiro de há 57 anos para atrás. Achei piada, o grupo Desportivo das Pescas de Soajo ou lá como se chama, querer transformar o rio de Adrão num belíssimo centro de pesca às trutas.

Com o matagal que avassala o rio, as trutas não subirão de maneira nenhuma. Mas fazer placas não custa nada. Uns cêntimos, uma borradela e a placa está feita. Vamos lá coloca-la. Quem viu aquele rio cheio de trutas como eu vi, plantar placas e deixar andar deve ser um trabalho muito frutuoso! Deu-me muita vontade de rir. Se realmente houver pescadores em Soajo, não devem ganhar para os anzóis. Primeiro deviam limpar o rio. Não custa nada! Levem a cana numa mão e a foice na outra e então sim, as trutas passarão a subir o rio.

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  Lagartixa, foto pixamania. Haviam muitas na Assureira. Hoje não se vêm

Mete dó ter conhecido aquele rio e observa-lo hoje. Será que há trutas no rio de Adrão? Quando antigamente íamos da Assureira para o eido, o poço do moinho de Arriba dos Moinhos, estava sempre cheio de trutas e eu corria à frente dos homens caladinho só para as conseguir olhar.

Se calhar hoje nem me acreditam mas tirei duas trutas que ficaram a entupir a leva de água para fazer rodar o rodízio do moinho da tia Bondeira. Virei a água para o rio e fui lá apanhar as trutas que pareciam salmões. Caíram e ficaram aos saltos até eu as apanhar no meio das pedras, por baixo do moinho. O mais difícil foi a cobra negra!

Houve duas que seguiram o rego para regar o campo da Assureira de tão gulosas que eram que foram apanhadas pela minha tia Joaquina aos saltos no meio do milho, quando ela regava. Hoje não há nada disso. Hoje não temos trutas para ver nos poços, quanto mais para irem centenas de metros atrás de minhocas até ao milho. Mas há um Clube Desportivo de Pescas. Espero que tenham sorte mas têm de fazer por isso. A sorte protege os audazes!


As Montanhas Lindas do Ventor, são as montanhas da serra de Soajo, da serra Amarela, do Gerês, ... são as montanhas dos meus sonhos e são, também, as montanhas de toda a minha gente

A Casa do Ti Emílio

A casa do ti Emílio, na Assureira, antes era a casa da tia Luísa.

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 O mato em redor quase engole a casa

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Portas escancaradas como sempre mas sem ninguém para nos receber

A casa do ti Emílio, se a minha memória ainda está operacional, era a casa da tia Luísa que ele veio a renovar ou a reconstruir completamente. Não sei porque era muito novo mas acho que as escadas são as mesmas ou muito parecidas. Quando eu era pequenino, mesmo pequenino, também caminhei por essa casa, a velha e sei que a tia Luísa era muito minha amiga.

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Esta é a parte de trás virada para as lavouras que o mato não deixa ver

Já falei por aí de um Maio, nos anos 50, bem no princípio que a minha mãe tinha algumas mulheres a trabalhar para fazermos o Maio na Assureira. Parece mentira mas sei que eram sardinhas, compradas à tia Pedreira de Soajo, assadas com pão e um caldo de couves, batatas e feijão, ... um caldo. recordo-me de ver a minha mãe a fazer cálculos com a mão para pôr o sal no caldo ou sopa se preferirem. No fim tirou mais um bocadinho de sal e meteu dentro do pote, um pote de ferro. Ela não estava habituada a fazer sopa para tanta gente e precisava mesmo de calcular.

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Para mim o sal devia ser posto assim, em duas mãos

Eu deixei ela virar costas e fui ao saleiro e meti sal quanto bastasse lá para dentro porque aquela gente precisava de comer e não de uma "mão de fome, em sal". Claro que estraguei aquilo tudo e desde então apercebi-me que a fartura também mata! Mas toda aquela gente estava preocupada era com a sopinha do Luiz e eu, normalmente, gostava era de caldo de leite.

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Esta é parte das casas de granito que nos contam histórias da Assureira das Portas

A minha mãe foi a correr à tia Luísa ver se ela tinha leite para mim. A tia Luísa resolveu o problema para mim e para todos. Fez um caldo de leite para todos e evitou que a minha mãe perdesse tempo a fazer outro caldo (sopa). Toda a gente comeu sardinha assada e caldo de leite. Eu gostava imenso daquela velhota, não pelo caldo de leite mas por tudo que ela significava para mim de tão boa pessoa que era. Quando eu era ainda um puto, a gente de Adrão foi velar o seu corpo à sua casa na Assureira. Eu não sei quantos anos teria mas quis ir e já não tinha quem fosse comigo. As pessoas revezavam-se. Lembrei-me que o meu pai não tinha medo de andar de noite e chegara a hora de eu também não ter. Fui sozinho, já pela noite dentro. Ficou tudo admirado verem um puto chegar só, para participar num mundo que não era o dele. Mas era! Eu sabia que nunca mais veria a tia Luísa.

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 Para a Celeste tudo isto é novo. Ela admira estas alcatifas de pedra e quantos por ali terão passado, descalços ou calçados

Por isso caminhei na Assureira, no dia 24 de Agosto de 2018, com tudo isso na cabeça e a lamentar não ter feito a vontade ao ti Emílio quando um dia, quando eu fui de visita a Adrão e ele me convidou para ir à Assureira provar o seu precioso vinho americano. Passaram-se uns aninhos e nunca mais o vi. Mas fui lá ver a sua casa e o seu lagar anos depois. Ainda lá estavam videiras, a dizer-me: «já é tarde Ventor»!

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Até parece que está gente em casa. Estará?

Caminhei na Assureira a lembrar-me de um tio meu, quando em Colares vi uma moça de Adrão a caminhar na linha do eléctrico: «aquela moça é de Adrão, chama-se Rosa Cortez»! "Sai do carro e vai lá cumprimenta-la". «Não, fica para uma próxima vez, com mais calma». Eu sabia que ele estava com pressa. "Nunca se deixa nada para uma próxima vez. A próxima vez pode nunca mais chegar». Essa nunca mais chegou, a do ti Emílio nunca mais chegou, assim como tantas outras.

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Nunca provei o vinho que saiu deste lagar

Por isso vos digo: «nunca deixem nada para depois». Olhem o que eu digo e não o que eu faço. Por deixar para a próxima, nunca provei o vinho que o ti Emílio me disse ser uma preciosidade e perdi a oportunidade de conhecer melhor o homem que gostava tanto da Assureira que fez ali, a sua grande casa.

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Nem provei do pão que saiu deste forno

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Também nunca provei do vinho que saiu destes barris ou de outros

Antes era um puto e não bebia vinho, depois parti e não acompanhei meia dúzia de anos do progresso desta casa. Depois foi a chegada da penumbra e a queda na escuridão. Não ... não foi nenhum tremor de terra nem vulcão destruidor ou os dois juntos, como em Pompeia, foi isso sim, algo mais lento mas também destruidor. A esse cataclismo para a Assureira, chamamos DIÁSPORA.


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O Fio da Aranha

No dia 24 de Agosto de 2018, eu, o Luiz Perricho e a esposa fomos fazer uma visita à velha Assureira.

Fomos matar saudades de caminhos de sonhos, de um espaço abandonado por todos. Parece impossível como esse espaço de nossos pais e avós teve tanta influência em mim e, julgo eu, praticamente em todos aqueles que pisaram os seus solos, acompanhando sempre o rio de Adrão, pela sua margem esquerda, até junto do moinho da Trapela, já de Soajo.

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Do lado da Assureira, é só mato

Já chorei muito na Assureira! Quando corria descalço nas suas lajes limpídas ao querer abraçar os cabritos e os cordeiros do ti Bento Ribeiro e sei lá de quem mais. No desespero de agarrar um cabritinho, lá ia, de quando em vez, arrancando uma unha. Mas já chorei emocionalmente, na Assureira, quando num dos meus primeiros regressos encontrei as minhas quatro pereiras mortas, três só com os troncos e uma outra, a mais nova, toda seca, apenas com um raminho verde saído da parte inferior do tronco e nele, uma pêra sorrindo para mim. Nesse tempo, ainda a Assureira era bonita mas a pêra disse-me que a Assureira iria morrer como aquelas quatro pereiras.

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Aqui, havia nos anos 90, uma grande cobra negra

«Eu fiquei para te receber e te dizer adeus em nosso nome, Ventor»!

Como essa pêra fez chorar tanta gente!

Foi um dos dias mais tristes da minha vida, adivinhando o que iria acontecer à Assureira. Certifiquei-me do que já sabia, em 28 de Agosto de 2006 e voltei a certificar-me este ano no dia 24 de Agosto. É triste querer tirar fotos aos recantos que me viram crescer e não conseguir. A Assureira, hoje, é um mono-bloco de mato.

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As maiores aranhas que conheço produzem teias muito finas

Mas eu falo do fio da aranha. Quando saia do caminho do grilo para o Porto Acerdeira, passagem na corga que desce da Chãe do Ruivo, fui preso por um fio de aranha. Um fio só, mesmo uni-filar e bem grossinho. Ele saía de um sobreirinho à minha esquerda e atravessava o caminho para os fetos do lado direito. Seria bem mais de dois metros o cumprimento do fio. Era um local onde a Celeste tinha passado e o fio prendeu-me a mim. Não sei que aranha produzirá tal fio, tão comprido, solitário e tão resistente.

Fui partindo o fio e tirando os bocados como podia. Andei à procura de um fio de aranha na Net para exemplificar mas perdi a paciência e desisti porque só encontrei teias e aquele fio não tinha nada a ver com teias. O que encontrei foi que o fio de aranha era o produto natural mais resistente do mundo, estudo de 2010, mas vencido em 2015 pelos dentes dos moluscos, actualmente o material biológico mais resistente do mundo. Foi baseado no estudo das teias de aranha que se fizeram muitos produtos resistentes, tal como os coletes à prova de bala.

Dizem os especialistas que se um fio desses tivesse a grossura de um lápis, seria capaz de deter um Boing 747 em pleno voo. O fio que me quis "prender" tinha grande elasticidade.


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