Caminhar na Assureira
Ontem, tropecei em fotos da Assureira. Caminhei foto sobre foto. Primeiro a correr, depois devagar e hoje voltei a fazer essa caminhada fotográfica. Descobri assim, mais uma vez, que o Facebook tem muito para nos dar. O Facebook é, realmente, uma plataforma de amigos e a amizade será, certamente, o que de melhor podemos tirar desta plataforma.
Assureira - Assureira das Portas. Tenho saudades destas escadas. Há mais de 55 anos que não as subo. Estas ou outras. Foto de Teresa Araújo
Vamos tropeçando neste e naquele, vamos vendo com os nossos olhos o que melhor nos toca. E, claro está, vamos revendo o passado através de fotos, com as quais revemos trilhos, cantos e recantos que fazem com que a nostalgia nos vá roendo por dentro e nos faz contar cada passo que em tempos remotos fomos dando.
Todas as lembranças que eu tenho da Assureira e permanecem intocáveis no meu cérebro, vão-me roendo as entranhas que lá se formaram, primeiro agarrado às saias da minha mãe e demais família, depois, passo a passo ou em correrias, sobre as suas lajes, como um cabrito mas chutando a pedra e arrancando unhas e, por entre os seus carvalhos, como um druida.
Esta Assureira, uma branda de Adrão, já foi uma terra de sonhos. Foto de Teresa Araújo
Ontem, à noite, noite dentro, tropecei nas fotos de Teresa Araújo e caminhei nos trilhos inesquecíveis de, salvo excepções, mais de meio século. Mas não foi só olhar fotos! Foram os momentos que me fizeram recordar. É que há duas Assureiras. A minha e a nossa! A minha é a Assureira dos Franqueiras (e não só) e a nossa é toda a Assureira. Ontem caminhei pela Assureira da tia Luísa, do ti Emílio do meu amigo Ferrada, dos Joãos (o que Deus tem e o outro que andará "perdido", algures, por esse mundo). A Assureira da tia Caridade e do ti Zé Ribeiro e de toda a gente que cheirou por lá os belos perfumes de Maio, do láudano dos carvalhos e de tanta coisa bonita.
Mas eu recordei o sal que a minha mãe, com contra-peso e medida punha no pote do "caldo". Eu achei que ela estava com unhas de fome e, pela calada, atirei com o sal para o pote. As pessoas estavam a trabalhar tanto que não podiam passar fome mas safaram-se as sardinhas que a minha mãe tinha comprado à tia Pedreira. Estraguei a sopa completamente. E, como eu era pequenito, a minha mãe foi à tia Luísa, ver se tinha leite para mim. Ela deu leite para fazer um caldo de leite, à pressa, para toda a gente. "Teresa, não batas no moço"! «Tive vontade de o estrafegar mas este, ao pé dele, ninguém morre de fome. Tenho a certeza que, se houver gente a morrer de fome, ele é o primeiro". Não sei que poderia eu dizer naquele tempo mas, hoje, também não quero ninguém a morrer salgado
Assureira, por aqui não faço uma caminhada há mais de 55 anos - foto de Teresa Araújo
Como eu gostava da tia Luísa da Assureira e como me sentia bem sempre que por lá andava. Ontem a Teresa Araújo deu-me a oportunidade de retroceder no tempo. Mas ela não conheceu a Assureira que eu conheci. Tudo limpo, sem matos, sem enormes quantidades de giesta, sem silvas, sem tojos de toda a espécie e maiores que nós. As cabras, as ovelhas, as vacas, os matos para as suas cortes, as lenhas para o borralho, a azáfama diária das pessoas, destruíam isso tudo. Nesse tempo não seria necessário pedir licença aos matos para deixarem a objectiva ir ao encontro dos seus alvos. Teria tido outras oportunidades de fotografar os espantalhos da tia Custódia, na Portelinha, para a raposa e os pássaros não lhe irem às espigas e às uvas, tempos esses em que esses espantalhos assustariam tanto as raposas como me assustavam a mim.
Só quem viveu a Assureira, nesses tempos, saberá sempre como terá sido o Éden de que a Bíblia nos fala