Os Abutres, na Serra de Soajo
Um dia vi um filme. Não me perguntem qual porque não sei qual deles!
Os Gansos Selvagens, os Pretorianos, os Mercenários, ... não sei! O que sei é que havia uma frase: "quem ficar para trás, é para os abutres". Agora, como quase não há nada que o Ventor não saiba, ficou a saber que essa frase já serviu para ele!
Estes fazem parte dos que observaram o Ventor. E atingem, estes feiosos, uma envergadura entre 2,50 e 2,80 m, um corpo de mais de um metro e 6 a 12 quilos se peso
A minha meta, é uma meta simples - a Pedrada! Não é nada do outro mundo. É uma das serras mais lindas que eu conheço e, não digo a mais linda para não ferir susceptibilidades. Isto, porque, para mim, ela é mesmo a mais linda!
De todas as serras que tive o privilégio de calcar com os meus pés, a Pedrada não fica a dever nada a nenhuma delas. E, de todas elas, como já tenho dito, é a única serra onde eu posso passear com sapatos de toilette.
Posso caminhar, posso dançar, posso cantar e até podia levar uma concertina, tal como o ti João Casanova levava a sua caixa nas montarias. Eu acho, até, que os lobos, nos anos 50 dançavam ao toque da caixa do Casanova.
Desta vez tudo me correu mal! Não fosse a companhia e a minha caminhada, à Pedrada, teria sido um fiasco. Se fosse só, tenho a certeza que chegaria lá na mesma! A alavancagem seria menor mas eu não desisto. Como eu costumo dizer, todas as caminhadas têm uma volta na ponta e, a ponta, pode ser mais curta ou mais comprida. No entanto, acredito que não voltaria para Adrão sem dar a volta ao marco geodésico da Pedrada ou, do nosso Outeiro Maior se preferirem.
Mesmo esperando encontrar uma presa morta, eles, os abutres, andam na sua caçada
Para além da minha coluna me pegar, puxando-me para trás, eu tinha um enlevo grande para prosseguir a minha caminhada até à Pedrada - os meus companheiros de caminhada e os abutres. Os abutres foram meus companheiros de caminhadas, em Moçambique e, eu, acredito que eles vieram rebuçados pelos tempos, na peugada do Ventor. Sei hoje, segundo dizem os experts, que há abutres que vêm do centro da África, nidificar a Portugal. No entanto, tenho a certeza de uma coisa: eu nunca tinha visto abutres na Serra de Soajo. Tudo o que sei sobre abutres é que eles fazem a sua caminhada migratória e se dão muito mal pela Europa. Também sei que foram encontrados abutres inanimados pela fome e foram recuperados pela boa gente que ainda ocupa um lugar neste mundo e, também, ao lado dos abutres que ajudaram a recuperar.
Entre as várias espécies de abutres (13?), o grifo também é um abutre e está com os olhos no Ventor
No Alto da Derrilheira, após beber água no Muranho e subir aquela encosta com muitas dificuldades, encostei à Box. Foi ali que comecei a pensar na tal volta na ponta. A rapaziada rumou à Pedrada e eu fiquei para trás a provar o fel da terra. Cheio de sede, com a coxa direita em estado de hibernia, a coluna pregou-me a partida! Prega-me a partida de vez em quando. Tinha começado na auto-estrada, a cerca de 80 kms de Lisboa, rumo a norte. Mas depois passou e tudo ficou bem.
Agora, estava num dilema. Para a frente ou para trás? Para a frente teria a subida da Pedrada, desde a zona da nascente das Forcadas, aquela que já matou a sede a muita boa gente e que, hoje, esconde-se debaixo da terra.
Para trás, voltaria a ter a Fonte do Muranho mas, também não me seria fácil descer aquela encosta, de imediato, até à sombra das suas urzes. Porém, como estava cheio de sede, decidi ir à mochila e tirar uma das duas garrafinhas de água de luso. Foi a desilusão! Nem garrafinhas de água, nem garrafinhas de cerveja! A minha boca parecia que saiu do inferno onde estivera a mascar palha cheia de pó.
Na sua caçada, ou tentativa de arranjar alimentos, voam aos pares, tal como caminham os agentes do FBI
A decisão teria de ser rápida. Ou Fonte da Corga da Vagem, para a frente, ou Fonte do Muranho para trás, onde esperaria a minha malta. Mas com a desenvoltura com que os abutres me observavam de cima para baixo, passando à minha vertical, decidi mostrar-lhe que estavam enganados. O Ventor não fica para trás e muito menos para abutres. Perna em baixo, perna em cima, reiniciei a caminhada rumo à Corga da Vagem. Teria a sua fonte água? Poderia lá beber? Nah! Sempre vi água na corga e, se as rainhas das montanhas a bebem e não morrem, eu farei o mesmo. Além disso, se caminhava em Moçambique, 14 horas sem beber nada, à torreira do sol, porque raio deveria recear a falta de água na minha serra?
Por isso, em frente! E lá fui.