Mês de Maio ...
... em Adrão.
Os meus meses de Maio, em Adrão e também em Paradela, agora só fechando os olhos e olhar no meu interior as lápides gravadas nos cantos do meu cérebro. Na prática é assim com tudo.
Um dos meus símbolos de Adrão - a Giesta. As nossas maias
Por Adrão, dependia do tempo, pelos fins de Abril e Maio dentro, havia um perfume intenso! Os cheiros, penetravam pelo nosso nariz, dando origem a um "must", que nenhuma perfumaria consegue apresentar. Desde os "estercos" originados pela fermentação dos estrumes, originada pelas dormidas dos animais e que, pela noite dentro, iam depositando o resultado das suas necessidades fisiológicas, catalisadas pelos calores dos seus corpos, até ao cheiro da terra originado pela evaporação das águas da chuva, especialmente trovoadas e, pela passagem dos cheiros intensos que saíam das belas flores que cresciam por todo o lado, misturado com aquele cheiro que resultava da erva da semeia que se deixava crescer para alimentar as vacas que puxavam os carros de bois e os arados que depois, rasgavam as terras.
Era assim por todo o lado. O Eido, as Brandas de Bordença e da Açoreira, retribuíam-nos, com belos perfumes, aligeirando o cansaço originado pelo trabalho. A maior alegria que eu tinha, nesses tempos, era conseguir dar às vacas que trabalhavam, uma boa ração da erva de semeia ainda verdinha e levá-las beber ao rio e, o maior problema que eu tinha, quando era puto, era o meu pai ralhar comigo quando eu retirava os grilos do rego deixado pelo arado, para as vacas não os pisarem.
Recordo-me perfeitamente do meu pai me gritar, dizendo: "as vacas ainda te pisam por causa dos grilos, Ventor"!
Carro de bois, na ilha de Santa Maria, nos Açores
Hoje, recordo tudo o que o trabalho e as brincadeiras me proporcionavam. As alegrias, o cansaço, os cheiros, o chiar dos eixos dos carros de bois pela Veiga abaixo, os aros de ferro que protegiam as rodas a bater contra os caminhos pedregosos, os esforços que os animais faziam a segurar o carro nos sítios íngremes, ou a puxá-lo nas grandes subidas dos caminhos.
Recordo-me bem como, então, os putos de Adrão gostavam de pedir boleia sem levantar o polegar, como se faz hoje por essas estradas. Seria uma das coisas melhores da nossa vida de crianças andar à boleia, nos carros de bois. "Podes vir comigo, rapaz, para cá, vens no carro". Estou a recordar-me do ti Manuel Rego que sempre me dava boleia. Uma vez, no Carril, ele vinha para casa, com as vacas pela soga e o carro e eu vinha do Lume da Leira. Aproximei-me do carro, por trás e, confiante que dali não viria nenhuma nega, saltei para o carro, muito caladinho, para o surpreender quando ele chegasse ao Eirado. O pior foi que as vacas assustaram-se com o meu salto e iniciaram uma corrida doida e o ti Manel, Deus o tenha no céu, também assustado, saltou para o lado para o carro e as vacas não o atropelarem mas, era no sítio mais estreito do caminho e o eixo, de passagem, ainda lhe raspou uma canela.
Toda a gente de Adrão me queria crucificar, até a minha mãe mas o ti Manel Rego, foi a única pessoa que me defendeu. Ele e eu, julgamos que as vacas não fugiram por minha causa mas, talvez, por causa da mosca. Pode ter havido coincidência com o meu salto e com a ferradela da mosca numa das vacas. Elas eram muito mansinhas.
Mas nunca me esqueço que, a única pessoa prejudicada pela minha acção, se fui eu, foi a única pessoa a defender-me.