Viver com a Beleza
Sonhei!
Sonhei com a Primavera nas minhas Montanhas Lindas ....
Sonhei com o tempo em que o cheiro a esterco das vacas passava por ser um perfume.
As ruínas de outros sonhos
Sonhei, acordei e "chorei"!
Sonhei que tive uma alvorada muito cedo, lá em Adrão, no primeiro cantar do galo. Que ia descendo rumo à Assureira e ainda com a Veiga escondida na escuridão matinal. Mas eu não tinha as pressas de outros tempos. Descia por Arriba dos Moinhos lentamente e notava no alvorecer do dia, os montículos dos cestos de esterco espalhados por algumas lavouras. Lá no fundo, corriam cantando as águas do rio.
Ao entrar nos carvalhos do Grilo, o escuro ainda estava presente e, à minha frente, seguiam vozes de gente (que nunca cheguei a ver) mais apressada que eu, enquanto eu ia tropeçando em pedras inertes no chão escuro. Continuei pelo caminho do Grilo e ouvia, lá no fundo as águas do rio e, junto delas via, o vulto, mais escuro, do moinho do ti Dafonte.
Os fetos, tal como antigamente, lá estavam nas margens do caminho como que a quererem dizer-me "olá"!
Ao chegar à Portelinha, olhava, lá em baixo, a Assureira ainda semi-escurecida mas, quando levantei a cabeça para olhar a Derrilheira, notei que o meu amigo Apolo ia iniciar a grande descida do dia. Tudo se começava a transformar!
Lá em cima Apolo mostrava o seu belo robe e lá em baixo, por baixo dos meus olhos, tinha a beleza da antiga Assureira, numa alvorada de Maio.
Desci até ao Campo onde também já haviam lavouras com os tais montículos de esterco prontos a serem espalhados no terreno para adubar aquela bela terra dos deuses, num belíssimo mês de Maio.
Concluí que iriam começar as grandes lavras!
Mas eu perdi-me no meio da "erva da cemeia"! A partir duma altura, no início da Primavera, as pessoas deixavam sempre crescer a erva numa ou outra lavoura para arranjar cementes de ervas para semear no verão, entre o milho e, também, para dar de comer às vacas que nos iam ajudar a fazer o Maio. Os animais trabalhavam e tinham de ser bem tratados e, para eles, nada como uma boa ração.
Belezas de sempre
Aquele cheiro de ervas e flores enebriava-me. Nos sucalcos cresciam dedaleiras cheias de força e, no muro junto às lavouras do Colado, estava estendida à espera dos raios de Apolo uma cobra esverdeada.
A minha alegria era esfusiante. Na Bouça, em cima, o meu amigo Apolo beijava os carvalhos e as giestas e, em meu redor, já esvoaçavam as borboletas de outrora. Mas, de repente, senti uma vontade enorme de descer até ao rio para voltar a olhar as libelinhas e os tira-olhos a esvoaçar entre os salgiueiros.
Eu espreitava o rio por entre os carvalhos. Esqueci a cobra o que noutros tempos não teria feito e comecei, tal como antigamente, a ver o melhor local para descer até ao rio mas, a folhagem de um arbusto batia-me na cara. Quanto melhor eu me posicionava para espreitar, mais a folhagem, movida por uma brisa matinal de Maio, me dava no nariz.
Voltei a olhar para o muro do portal de entrada nas lavouras e já não vi a cobra e, para meu mal, a persistência do arbusto, quando voltei a espreitar o rio, acordou-me.
O arbusto que me batia no nariz, afinal, eram os bigodes do meu Quico que, como sempre, tentando saber o que se passava comigo, me arrancou às belezas do passado que já só vivo em sonhos.
Ao acordar, já perante a realidade e, pensando na minha última caminhada pela Assureira, em 2006, pensei que nunca mais essas imagems dos sonhos se voltarão a repetir.
Mas tenho-me apercebido que, a única coisa clara e concreta nos meus sonhos é que, normalmente, é o meu Quico que, preocupado com o que me estará a acontecer, acaba por me acordar, arrancando-me de um sonho entre a beleza e me transporta para a realidade. E, como sempre, salvo raríssimas excepções, continuo a fazer as minhas belas caminhadas, sempre só, durante os meus sonhos.
Sonhos, para mim, inesquecíveis.