Voltei a ser Pequenino
Sim! Voltei a ser pequenino por alguns momentos. E caminhei nestes sítios, como outrora!
A nossa vida é, por vezes, muito estranha!
Ontem à noite, fechei esta janela que tenho aberta para o Mundo. Saí da minha cadeira, preparei-me e fui deitar-me.
Ao dirigir-me para o meu quarto, pareceu-me que me deram um esticão no roupão, mas como foi bastante em cima, concluí que o Quico, para fazer isso, teria de saltar. Peripécias destas já me aconteceram algumas vezes.
Procurei o Quico e verifiquei que estava deitado sobre a cama, junto da sua dona e tapado com a sua mantinha. Os dois dormiam profundamente.
Entrei no quarto, deitei-me e comecei a pensar no comentário da Loba, a Keila onde me diz:
"tive a sensação de que caminhavas pelas estradas do Paraíso, meu amigo".
De facto, o que eu gostaria mesmo, seria transformar os nossos caminhos em estradas do Paraíso.
Continuando a levar em conta o comentário desta linda Loba, chego a entender, realmente que, caso haja estradas no Paraíso, elas terão de ser, forçosamente, feitas com flores e músicas. Músicas que terão de caminhar juntamente connosco, tal como as flores.
No meio de tudo isto, avaliando a hipotética existência das estradas do Paraíso, adormeci.
Adormeci, mas comecei logo a fazer mais uma caminhada. Desta vez, sonhando!
O céu era azulinho, o sol brilhava, o dia estava lindo e eu era um caçapinho muito pequeno. A minha mãe apareceu-me vestida com uma saia de cerguilha preta com rosas em roseiras na parte inferior da roda da saia e uma blusa branca de meia manga, também florida com uma fiada de rosas por cima, mais junto ao pescoço e outra por baixo com flores selvagens muito lindas. Pegou-me na mão e, mais uma vez, quis-me levar com ela!
Caminhamos os dois juntos, entre lindas flores, nos campos de feno do Curral das Cabras como nos tempos que eu não passava de um fedelho que já adurava aqueles sítios. Os perfumes eram os de sempre: cheiro a feno, a carvalhos (o láudano dos carvalhos) aquela substância pegajosa segregada pelas folhas dos carvalhos.
A beleza dos carvalhos
Lá ao fundo, no supé dos fenos, as águas do meu rio cantarolavam laudas às belezas que as envolviam, bem como à minha mãe e a mim, e do seio das flores saíam sons fabulosos que murmuravam à nossa passagem canções celestiais. À minha volta, os carvalhos eram frondosos, as cascas dos troncos dos vidoeiros branquinhas, mostravam-me filmes de outros mundos. A beleza era inigualável. Do céu, vinham as músicas e a minha mãe largou-me a mão e começou a levitar, acabando por subir rumo ao céu, caminhando sobre as notas das músicas.
Ao mesmo tempo que subia, estendeu o braço fazendo rolar a mão como se me quisesse fazer ver que, toda aquela beleza era para mim, e ia dizendo: "fica aí meu filho porque isto é lindo! Eu vou para onde pertenço, mas voltarei para passear contigo"!
Vi ela desaparecer levitando sobre os carvalhos e penetrar no azul do céu, abandonando-me mais uma vez. E foi assim que, por momentos, eu vivi aquela pequena caminhada num êxtase completo.
Voltei a acordar transpirado, com o Quico de pé, junto de mim, a olhar-me fixamente. Fiquei bem acordado extasiando-me com as vivências de uma caminhada, em sonhos.
Comecei a majicar e voltei a pensar nas estradas do Paraíso de que a Loba, a Keita, me falou. Pensei, então, que se a Loba visse as belezas que eu vi, no meu sonho, diria: «Isto sim! Isto é o Paraíso»!
Mas eu, mais uma vez, abandonei o Paraíso e voltei a caminhar nos trilhos da realidade.
Um beijinho para ti Loba e votos das tuas melhoras. Que tudo te corra bem.