Sempre que posso, passo pelo Cemitério de Adrão para dizer olá à minha gente. Tenho lá muita família e muitos amigos.
O Cemitério de Adrão. Lá ao fundo a serra Amarela e o Gerês
Eu, quando passava por Adrão, encontrava-os atrás das vacas, atrás das ovelhas, pelos caminhos, à janela, ... e, sempre que vou visitar o Cemitério acabo por encontrar mais alguém. Mais um amigo ou amiga que foi caminhando à frente.
Desta vez foi o Joaquim "Brasileiro" ainda meu parente pois o seu pai e a minha mãe eram primos direitos. Ele era um pouco mais velho que eu e, entre os mais velhos e os mais novos houve sempre uma passagem de testemunho. À medida que crescíamos íamos caminhando sempre mais alto! Mais uns dias, uns meses e dávamos mais umas passadas inesquecíveis. Sempre mais um cabeço, mais um monte. Primeiro os montes mais baixos, agarrados ao rabo das vacas.
Depois o Poulo da Férrea, a Chãe do Boi, depois a Naia, depois o Muranho e, por fim a Pedrada! É para esses montes que dá a porta do Cemitério de Adrão. Estas eram as caminhadas que nos marcaram como crianças e depois como homens. Passo a passo, mas sempre mais um, mais dois, muitos! Nas costas do Cemitério ficam os nossos outros montes. A leste o Gondomil, a Corga das Estacas. A sul a Assureira, a Oeste o Senhor da Paz e os montes de Bordença. Para Norte, a Portela, a Corga Grande, mas entre o Norte e o Oeste fica a saga das nossas grandes caminhadas. O Alto da Derrilheira, rumo à Pedrada.
O Cemitério de Adrão. Do lado de lá, o Poulo da Fraga e os montes da Assureira
O nosso mundo era grande à medida que trepávamos e a nossa liberdade era total. Contida nos parâmetros das caminhadas dos mais velhos, mas total. Corríamos montes e vales e trepávamos as rochas como cabritos até atingir a próxima fonte. Caminhávamos no rasto do lobo. Ainda hoje caminho no rasto do lobo e sinto-me tão lobo como eles, quando trepo nas minhas montanhas. O lobo via-nos, mas nós não o víamos a ele. Raramente lhe colocávamos os olhos em cima! Ainda hoje admiro aquele canídeo deslumbrante que sei que me olhava, me admirava e me respeitava. Se assim não fosse, não andaria por aqui, caminhando com os dedos sobre teclas e a falar-vos do respeito mútuo que nos norteava. Sinto que há dentro de mim muito do lobo! Sinto que trepo as nossas montanhas com a mesma animosidade e generosidade que ele. Somos mesmo inseparáveis!
Mas nessa altura, o lobo era inimigo dos nossos gados, portanto, nosso inimigo também! Era por isso que uma montaria era uma festa! Mas, a partir de uma determinada altura, quanto mais crescia mais imaginava o lobo como um companheiro de caminhada. O Joaquim perguntava-me sempre: «viste o lobo, Ventor»? Agora não me pergunta mais, está no nosso cemitério.
Mas no nosso cemitério também encontro gente viva, gente que presta homenagem aos seus parentes e amigos. Desta vez tive mais sorte!
Do Cemitério de Adrão vêm-se os nossos montes a Leste. A Corga das Estacas, o Gondomil ...
Fátima é o seu nome. Estava junto da campa de meu pai e de minha mãe. Depois caminhou para a campa de meu irmão e de meu sobrinho. Eu vi lá gente e enquanto a minha irmã e a minha "cara metade" seguiram para o interior do cemitério eu fiquei fora a tirar fotos às suas paisagens deslumbrantes, à espera que essa gente saísse. Quando vou visitar os meus amigos gosto de estar só com eles.
De repente ouvi uma espécie de "algazarra" dentro do cemitério e vejo um braço estendido e o chamamento: «Ventor, anda cá»! Era a minha irmã que me chamava.
Por trás do Cemitério de Adrão, vê-se a Assureira engolida por matos enormes, o rio de Adrão rumo a Soajo e, do lado de lá, a serra Amarela
Entrei e apontou-me uma mulher do grupo presente. Os olhos dessa mulher sorriam para mim, brilhando! No seu sorriso eu via uma luminosidade infinita. Sentia que ela me queria abraçar e a minha vontade era igual. Ela já sabia quem eu era, porque a minha irmã lhe dissera, mas eu não. Mas não nos víamos desde pequenos e eu não a conhecia. Nem dava para a tirar pela pinta! Os nossos sorrisos de crianças estavam separados por cerca de 45 anos. Tínhamos um elo de ligação. A minha tia Rosa de Paradela, minha tia e sua avó!
A Fátima era de Cidadelha e vinha para Paradela fazer companhia a sua avó. Eu ia a Paradela ver a minha tia e lá estávamos algum tempo juntos. Depois a Diáspora separou-nos. Eu vim para Lisboa e ela, algum tempo depois, foi para Inglaterra. Hoje está em França com o marido.
Mas quis o senhor da Esfera que num abraço, no cemitério de Adrão, matássemos saudades de uma eternidade de separação.
Do Cemitério de Adrão vemos os caminhos da Assureira, no Grilo e por cima o caminho para o Poulo da Fraga e Centieira
Que nossa Senhora de Fátima esteja sempre contigo Fátima. No dia seguinte vi a tua irmã Angelina mais o marido, no Campo, na casa da tua tia Clementina. A emoção ali não foi tão forte porque tu foste minha companheira a devorar as fatias de presunto com ovos estrelados e rodelas de tomates que a tua avó me arranjava quando eu, miúdo, atravessava a serra para chegar a Paradela.
Muitos beijinhos para ti Fátima e não te esqueças que eu e o Quico temos muitos e-mails.
Mas vi também um amigo dos velhos tempos - o Emílio. O Emílio da Curta como a gente lhe chamava. Gostei de te ver Emílio. Tantos anos passaram entre nós e como tu me fizeste lembrar uma das pessoas de Adrão de quem tanto gostei. A tua mãe! Ela era a minha grande amiga que tudo fazia para não deitarem abaixo o cortelho do Ventor. Ainda há pouco tempo estive lá, nas minhas ruínas e nem imaginas quanto me lembrei dela. Também nunca tinha visto o teu filho. Um abraço para todos, do Quico e do Ventor. Foi o nosso Cemitério que nos ligou.