Adrão, na Grande Caminhada do Ventor.
Em 03 de Março de 1961, deixei para trás tudo o que tinha. Tudo! O pai, a mãe, os irmãos, toda a família e amigos, a casa, o cão, as vacas, as galinhas, ... enfim, deixei o meu berço. O cão chamava-se Vilavem. Pela nossa vivência e pelo que me contaram depois, nunca mais o esqueci.
Lugar de Adrão, na serra de Soajo, a cerca de 500 metros do nível do mar
Após a minha partida, corria toda a Assureira, ladrando e uivando à minha procura. As únicas coisas que me têm destruído o coração, é tudo o que então deixei para trás.
Posso dizer que os anos mais felizes da minha vida, foram os primeiros 15 passados em Adrão, numa vida sóbria e feliz. Vivi esses 15 anos de mãos dadas com a minha gente e a Natureza.
Iniciei a minha Grande Caminhada, no rio de Adrão, nos campos e nas bouças da Assureira e, pelo último terço, nas cumeadas das minhas Montanhas Lindas.
Adrão, encrostada nas minhas (nossas) Montanhas Lindas
Tudo acabou!
Lancei-me no vespeiro de um mundo que nada tinha a ver com as belezas daquele outro, onde fui semeado.
Troquei as alcatifas da serra de Soajo, por alcatifas de asfalto. Hoje faço tudo, ou tento nas minhas caminhadas, para conseguir alcatifas como as do meu tempo de criança. As minhas alcatifas ideais são as alcatifas do lobo. As carquejas, as carrascas (ericas), os tojos, os fetos, as urzes, os bosques, as flores, as serras, ... são essas, exactamente, as alcatifas do Ventor.
Um dia sonhei que tinha um lobo, chamado Ventor. Por fim, com o andar do tempo, concluí que esse lobo, afinal, era eu. Foi lá, por Adrão, na freguesia de Soajo, concelho de Arcos de Valdevez, distrito de Viana do Castelo, que tudo começou. Coloco aqui tudo, porque já encontrei pessoas que nem sabem onde fica Viana do Castelo, quanto mais Arcos de Valdevez e muito menos Soajo ou Adrão. Só me falta dizer que ficam na província do Minho, o pedaço mais a norte de Portugal. A Noroeste!
Hoje quando passo por Adrão é para matar saudades. Para ver alguns dos trilhos que calcorreei, pedras em que tropecei, os horizontes com que sonhei. E, também, para lhes dizer que nunca os abandonei. Passo por Adrão para afirmar a mim próprio que continuo o mesmo e que, afinal, o meu berço, de pedra feito, ainda existe. Passo por Adrão para caminhar nas minhas Montanhas Lindas e para lhes dizer que foi sobre elas que eu detalhei os meus horizontes, sempre olhando em frente e para sul na direcção da serra Amarela. É nas Fontes, no Gondomil, na Naia, no Muranho, na Derrilheira, na Pedrada, que eu fico seguro de que ainda existo e acredito, tal como quando era miúdo, que o resto do nosso mundo continua para além da serra Amarela.
O Cemitério de Adrão
O cemitério pode não ser mas o local será, certamente, dos mais bonitos. Dali vemos todo o vale do rio de Adrão, com a Assureira a seus pés, até ao rio Lima. Para além do Lima fica a serra Amarela. Para trás, à direita e à esquerda as minhas Montanhas Lindas
Quando passo à porta do nosso cemitério de Adrão, acredito que todos se levantam para gritarem em uníssono: «bem-vindo Ventor, bem-vindo Luis, à terra que te viu nascer».
Um dia, uma dessas caminhadas será a última mas, eu acredito que, donde quer que parta deste mundo, terei todos a meu lado.