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Adrão e o Ventor

Eu nasci na serra de Soajo e Adrão, nas suas encostas, é o meu berço

Adrão e o Ventor

Eu nasci na serra de Soajo e Adrão, nas suas encostas, é o meu berço

Nasci em Adrão e, desde muito novo, iniciei as minhas caminhadas pela minha serra - a serra de Soajo. Em 2009 ouvi falar de uma cruz que tinha sido colocada no Alto da Derrilheira. Numa caminhada realizada com os meus companheiros e amigos da serra de Soajo, Luiz Perricho, António Branco e José Manuel Gameiro, fomos recebidos no nosso mais belo Miradouro como mostra esta foto.


Algumas das vacas da serra, receberam-nos e, na sua mente, terão dito: «contempla Ventor, mais uma vez, toda esta beleza que nunca esqueces. Este é o teu mundo e é nele que o Senhor da Esfera te aguarda». Tem sido sempre assim, antes e depois da Cruz.


Se quiserem conhecer Adrão, Soajo e a nossa serra, podem caminhar pelos meus posts e blogs. Para já, só vos digo que fica no Alto Minho.



Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!


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rio adrão.jpeg

Aqui nasce o rio Adrão


Das melhores coisas da minha vida, foi caminhar no rio de Adrão. Até aos 15 anos e depois, à medida que por lá ia passando. Nesses tempos eu caminhava no meu rio como caminho hoje por muitos trilhos limpos.

 

O rio Adrão nasce aqui e vai perder-se enleado em matagais sem fim


19.12.09

O Isqueiro de Pedra


Ventor

Ontem, o dia estava ideal para a utilização dos cruchos (os tapa-chuva de juncos) e uso do isqueiro de pedra, nas minhas Montanhas Lindas.

Há muitos anos atrás, as águas das enxurradas que escorriam pelas encostas das minhas Montanhas Lindas, mergulhavam esfalfadas nas corgas e, ràpidamente, se encaminhavam, rumo ao rio de Adrão, originando cascatas em correrias diluvianas.

O Ventor, aproveitou um bucanho, saíu do Cabo do Eido, atravessou o Eirado e dirigiu-se à ponte, sempre a ouvir o "ronco" do rio.

Caminhava despachado a pensar se as águas já galgavam o umbigo do rio (uma pedra no meio do poço da ponte) ou, se estavam prestes a saltar a ponte.

A porta da casa de alguns dos meus amigos de outros tempos. Quando aberta, mais parecia um buraco escuro e eu tentava sempre observar quem sairia da escuridão

Já com a ponte à vista, ouvindo o ruído das águas, olhou o caminho rumo à Barreira e, lá no topo desse troço de caminho, lá estava a escuridão da porta (quando aberta) do ti Joaquim Brasileiro. Dessa escuridão assumou uma cara que faz intenção de sair, espreitando o Ventor. Era o ti Joaquim Brasileiro a dizer: "tem cuidado com a ponte, Ventor, que, pelo "roncar" das águas, o rio deve estar a galgá--la, não tarda!

Mas o Ventor, sempre curioso, levanta o braço em sinal de saudação e continua a avançar para a ponte.

"Ventor"! O Ventor, ouve, dá uns paços atrás e pergunta: «diga, ti Joaquim»!

"Deixa a ponte! Olha! Amanhã vamos com as vacas para a Portela de cima"? O Ventor olha o tempo e diz-lhe que sim. «Vamos pois»! E continua, rumo à ponte.

O Ventor ainda ouviu: .... "raio de moço ... que mania de ir para o rio ... "

Mas o tempo recomeçou a agravar-se! As águas que diluvianas iam descendo desde o Alto da Derrilheira, rumo à ponte, iam crescendo a todo tempo, pois se ali a bonança estava bem presente, lá em cima, as fadas de Neptuno choravam por demais.

As vacas juntaram-se na parte inferior esquerda, no meio das árvores (então não existiam) - o Fojo - ao cima da Coroa

No dia seguinte, tudo continuava na mesma. O rio ainda passava por baixo da ponte, quase a bater na "trave" e também as vacas olhavam de soslaio para a espuma branca das águas irrequietas, mesmo junto dos seus olhos, junto às amparas da ponte. As vacas do ti Brasileiro e as do Ventor encontram-se e juntam-se ao chegar ao Fojo, acima da Coroa e são encaminhadas rumo à Portela. Elas circulam uma tapada por cima e o ti Brasileiro e o Ventor encaminham-se para junto da parede da tapada, por baixo. O Ventor vê o ti Brasileiro tirar a onça de tabaco e mais uma murtalha para fazer mais um cigarro. Por fim, com as mãos a tremer de frio, meteu o cigarro na boca e tira do bolso o seu isqueiro de pedra. Começou a percutir o seixo contra o isqueiro mas nada. A torcida recusava-se a acender. A humidade fria penetrava nos ossos e os dentes rangiam com o frio.

Como o ti Brasileiro não conseguia acender a torcida, o Ventor diz-lhe: «venha daí, vamos acender um braseiro, junto àquela parede»!

"Estás doido, hoje ninguém é capaz de acender lume algum"!

O Ventor -  enquanto o ti Brasileiro continuava a tentar pôr a torcida acesa, ele ia gastando a pedra, cheio de teimosia e só os seus olhos verdes faiscavam - tirou debaixo do seu crucho umas chamiças de urze sequinhas que truxera de casa e tirou a caixa de fósforos que comprou ao seu amigo "Carrasco" com um ovo e, junto ao muro, começou a acender o fósforo que se recusava devido à humidade. Por fim, tirou de uns buracos da parede algumas chamiças, também elas muito humidas, e pegou fogo àquelas que tirara debaixo do crucho bem sequinhas. Mal que um dos fósforos generoso, as incendiou, o Ventor tirara umas ervas secas e tojo dos buracos da parede e mais chamiças. Por fim colocou uns torgos de urze secos, mas muito húmidos, que secavam à medida que as chamiças iam ardendo. Sopra daqui, sopra dali, quando deram pela fé, já lá estava um grande braseiro!

Quando o ti Brasileiro se apercebera do fumo, aproximou-se e acendeu o seu cigarro pois que a torcida se recusara a colaborar.

A Portela de Cima, e o cruzeiro, onde em Adrão se ouvia o ribombar dos foguetes durante os 8 dias da Senhora da Peneda, de 1 a 8 de todos os Setembros

Mais tarde, outro cigarro e, mais uma vez, a tentativa da faísca incendiar a torcida. Ainda hoje, sinto nos meus ouvidos, o chinfrim da pedra, mas nada!

O ti brasileiro, baixou-se, pegou num tição onde íamos assar os rojões, e voltou a acender o seu cigarro com o lume que o Ventor acendera, que nos assou os rojões e nos aqueceu quase todo o dia, pois os matos verdes com que o Ventor fizera protecção daquele célebre braseiro, não deixavam que a chuva, que mais era neve derretida, o apagassem.

Preparar o futuro de um dia mau, como haviam muitos, nos maus invernos daquela minha juventude, tornando-o mais apetecível, tinha sido com um belo trabalho do Ventor alguns dias antes ao tentar melhorar os buracos da parede e enchê-los de ervas secas, tojos miudinhos e secos, chamiças de urzes bem sequinhas e torgos. Aquio que sabemos ser um trabalho de formiga e que tantas vezes se torna tão útil.

Então, o nosso braseiro num dia de chuva de neve derretida, era um pouco mais à esquerda da esquina inferior esquerda da foto. A estrada que agora se vê no fundo da imagem, era então um caminho que levava os romeiros para a Peneda em tempos de Romaria e outras pessoas que, por dificuldades em subir à Portela de cima, davam maior volta e caminhavam rumo ao lado de lá, pela Portela de baixo, mesmo frente á Fraga da Néda

Este texto, é a minha homenagem à memória do ti Brasileiro e ao seu isqueiro de torcida um daqueles homens de Adrão com quem eu ainda tive o privilégio de fazer algumas das minhas primeiras e mais belas caminhadas.

Ontem, ao ver a chuva cair e a calote murrinhosa do nevoeiro a tapar Miraflores, olhei o mato de Monsanto e lembrei-me desse dia, começando a ver as mãos do ti Brasileiro com os dedos escurecidos pelo tabaco a embrulhá-lo naquela mortalha branquinha. Depois de cigarro ao canto da boca a despedaçar o seixo e a observar a teimosia da torcida a não ligar pívia às faíscas que saíam do seu isqueiro de pedra, mas eu só via as faíscas dos seus olhos verdes.

Que o Senhor da Esfera o tenha a seu lado ti Joaquim.


As Montanhas Lindas do Ventor, são as montanhas da serra de Soajo, da serra Amarela, do Gerês, ... são as montanhas dos meus sonhos e são, também, as montanhas de toda a minha gente

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